Problemas de parto – Perigo iminente

Em se tratando de clinica de animais selvagens, existem determinadas condições patológicas que devem ser tratadas mais agressivamente que a grande maioria das doenças que se instalam de forma lenta. De maneira geral, quando conseguimos diagnosticar um problema de forma rápida, a viabilidade de sucesso se torna grande, por outro lado, quando um animal já chega na clínica muito fraco, sem comer por um longo período, desidratado ou com lesões bem desenvolvidas, o prognóstico nem sempre é favorável e o risco de vida aumenta.
Quanto mais cedo o proprietário trouxer o animal ao veterinário especializado, mais chances de vida o animal terá.
Dentre as mais variadas doenças que podem afligir seu animal, uma das mais urgentes em se tratando de atendimento clínico se chama distocia, que é um agregado de problemas relativos ao parto.

Podemos dividir grosseiramente em distocias maternas e distocias fetais. As distocias maternas são os problemas de parto relacionados á mãe, ou seja, quando a mãe possui problemas que impedem um parto normal.
Existem muitas doenças que entram neste rol, por exemplo, infecções bacterianas internas, desnutrição, problemas ósseos, má conformação de ossos na região pélvica (a bacia, por onde fica o canal do nascimento), e muitas outras, que podem existir ao mesmo tempo ou não.
Dentre as causas de distocia fetal, temos o problema de fetos malformados, fetos avantajados, morte fetal, e outros, mas a maioria dos problemas acima citados decorre de falhas no processo de manutenção em cativeiro do seu animal.
Vamos citar um exemplo, você possui uma linda iguana fêmea chamada Isolda, solteira desde que veio ao mundo e, um belo dia você encontra um par de ovos dentro do terrário. Seu terrário é coberto por jornal no fundo e você nota rapidamente o problema. Como um bom proprietário, imediatamente Isolda é levada ao veterinário especializado em répteis, que vai lhe fazer um monte de perguntas e desfazer um monte de dúvidas, como, por exemplo, lhe dizer que fêmeas de iguana põem ovos mesmo sem machos para fecundar. Nossa!

Mas para que o espanto, se a grande maioria dos ovos de granjas avícolas que são colocados vendidos e preparados para bolos ou mesmo fritos em casa não são fecundados? Independente da presença de um macho para fecundar, seu iguana pode, e repare bem, pode depositar ovos no ambiente e para isso deve existir ambiente propício para esta deposição. Outra coisinha mal resolvida que, por mais que espante alguns que estejam lendo esta matéria, é que apenas fêmeas põem ovos! Estou dizendo isso, pois são inúmeros casos em que pessoas que criam diferentes animais por anos descobrem que estes eram “estas”, pois começaram a colocar ovos. Eu tive um cliente aqui na clínica que possuía um papagaio com 18 anos e me disse que ele enlouqueceu, pois de uma hora para outra, passou a ter comportamento de fêmea. Eu perguntei o porque dela estar dizendo aquilo e ela completou dizendo que seu papagaio macho agora está implicando com ela e passou a botar ovo! Eu lhe disse que provavelmente ele era uma fêmea e ela não notou, afinal, papagaios não possuem dimorfismo sexual. Ela me disse que isso era impossível, pois seu papagaio falava e apenas machos de papagaio falam (segundo informações do cliente), logo ela possuía um macho de papagaio que bota ovo. Desisti de tentar demovê-la da idéia.
Outra coisa importante que o veterinário vai te dizer é que, por mais que seja novidade para a Isolda, dois ovos é muito pouco para um iguana fêmea, logo ou ela põe o resto dos possíveis 30 ovos que faltam (e pode ser que sejam mais) ou teremos que tomar providências cabíveis. Junto com estas medidas, o veterinário com certeza vai passar alguns exames, dentre eles uma radiografia e um hemograma completo.
A radiografia servirá para avaliar se existem mais ovos no abdome e o hemograma dará uma idéia do estado geral da Isolda (já que esta é, hipoteticamente, o nome de seu iguana).
Outros problemas que podem ocorrer são os ovos retidos no canal. Isto ocorre principalmente em aves, como periquitos e pássaros de canto.

Pode-se tentar em casa utilizar água morna em vapores úmidos, amolecimento com pomadas ou massagens, mas quem não está acostumado com este tipo de procedimento, não deve tentar, pois corre o risco de quebrar o ovo e lacerar o útero, causando hemorragia e inflamação grave. Aqui vale a regra de ouro: quanto mais cedo houver assistência adequada, tanto por parte do dono quanto do veterinário, mais favorável será a possibilidade de melhora e sucesso no tratamento a posteriori.
Os jabutis e tartarugas palustres são os répteis mais trazidos para avaliação em meu trabalho a este respeito. A principal queixa é de que o animal não come a algum tempo e parece estar fraco. Nós observamos animais desidratados e deprimidos, muitas vezes com quadro paralelo de desnutrição e com dificuldades de colocar ovos por simples falta de local adequado, pois moram em apartamentos sem terem a disposição as caixas de areia que tanto recomendamos nestes casos.
Outros fatores agravantes, como piso liso alteram a estrutura óssea destes animais, possibilitando mudanças indesejadas no canal do nascimento, pois esta estrutura pélvica é constituída basicamente de ossos e ligamentos. Existem casos em que os animais colocam para fora estruturas internas, como útero e intestinos ou bexiga.
Cabe ao veterinário diagnosticar o quanto antes e tentar desenvolver um protocolo de tratamento adequado ao caso, que pode ir de simples manobras de reintrodução e cirurgias de recolocação ou amputação total ou parcial do órgão envolvido. Este tipo de procedimento é complicado até para os veterinários especializados em animais selvagens, devendo ser realizado por profissional experiente, para evitar acidentes que venham a complicar a situação clínica do animal.
Lagartos manifestam quadro clínico de forma rápida nestes casos, ficando sem comer por três a quatro dias seguidos, devendo ser encaminhados rapidamente ao veterinário, que vai avaliar a situação e tomar a atitude que julgar mais acertada. As principais moléstias ligadas á reprodução de lagartos são as retenções foliculares ou retenções de ovos, sendo a primeira menos complicada que a segunda, na qual o animal fatalmente estará mais deprimido fisicamente. Procedimentos de emergência são uma constante nestes casos.

Serpentes ovíparas são mais fáceis de diagnóstico que as ovovivíparas e neste segundo caso a avaliação depende de ultra-som ou radiografias e, o mais importante, de um acompanhamento prévio do cliente, anotando datas de cópula para se avaliar em que período estará a gestação.
Em mamíferos, devemos nos ater no tempo de gestação de cada espécie e no desenvolver desta gestação. Não são raras as vezes em que se resolve um problema de parto em micos e sagüis com cesarianas de emergência, na qual o feto pode sair com vida ou não, mas a probabilidade de salvar a mãe é alta quando se toma a atitude rapidamente.

Macacos são as espécies mais trazidas nestes casos, mas não é incomum hamsters e roedores na clínica com dificuldade de parir, o que complica muito caso o animal já esteja debilitado pelo esforço de parto por muito mais que 3 horas. Mais um adendo: é muito comum que hamsters sejam carregados pelos donos e isto deve ser evitado no caso de fêmeas grávidas, pois a quantidade de casos de aborto traumático com ou sem ruptura de útero, por queda de alturas razoáveis (geralmente das mãos de clientes desavisados) em hamsters e roedores é alta e a chance de sobreviver a um trauma destes é pequena.

Tentando encurtar a história acima, o importante é controlar a situação de seu animal, fornecendo material adequado, condições adequadas de cativeiro, anotações corretas de datas de cobertura e gestação e, quando as coisas soarem estranhas, diferentes do normal e de preferência o quanto antes possível das coisas complicarem, leve seu animal para o veterinário especializado para que as coisas não compliquem mais ainda.
A criação em cativeiro de espécies selvagens deve ser incentivada sempre que haja qualificação por parte do técnico disposto a prestar assessoria técnica e também por parte do proprietário, quando este é consciente do que precisa fornecer para que seu animal fique bem e possa ser útil a espécie, evitando que o comércio ilegal continue sem concorrência legalizada.
Ademar Couto
Médico veterinário
https://ademarcouto.wixsite.com/ademarcoutovet
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